"Função da charge também é fazer pensar", diz chargista arapiraquense premiado internacionalmente
- ehdearapiraca.com.br
- 15 de jan. de 2022
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Aos 53 anos, o chargista arapiraquense Adnael Silva começou a rabiscar os primeiros traços perto dos 5 anos, mesmo antes de ir para a escola. As HQs, os gibis, o fascinaram desde cedo. Autodidata, ele teve como seu primeiro incentivador fora do seio familiar e de amigos, o historiador Zezito Guedes. Também designer, Adnael trabalha, atualmente, em um projeto autoral de uma HQ . Revela que algumas de suas charges sobre o governo do presidente da República Jair Bolsonaro têm lhe rendido perseguição em suas redes sociais. Premiado em salões de humor nacionais e internacional, Adnael é mais um entrevistado do blog.
Blog - Assim como muitas crianças, você deu seus primeiros passos no desenho pequeno.
Adnael - Sim. Costumo dizer que quem sabe desenhar é uma criança que não parou de desenhar. Mesmo antes de começar a ler, me fascinavam as imagens das histórias em quadrinhos, dos gibis que eu via. Ainda hoje continuo comprando.
Blog - A criança que esboça seus primeiros desenhos precisa de que para virar um desenhista, um chargista como você?
Adnael - Quem nasceu com um instinto para o desenho, provavelmente vai continuar desenvolvendo o traço e desenhando ao longo da vida. O que pode acontecer, na verdade, é a criança ser desestimulada por diversos motivos como a família, por exemplo, pensar que aquilo não é uma profissão adequada etc. e perder o interesse.

Blog - Aos 17 anos, você deu sua primeira entrevista para televisão levado pelo historiador Zezito Guedes. Ele foi o primeiro que reconheceu seu talento longe do seu convívio mais íntimo?
Adnael - Sim. Àquela época, eu estava cursando o Colegial (Ensino Médio) e já ganhava uma grana fazendo desenhos de trabalhos da escola para os colegas como células, mapas ... Naquela altura, também, eu já produzia minhas HQs, fiz aproximadamente 45 delas de forma artesanal, e o professor e historiador Zezito Guedes me trouxe para Maceió para dar entrevista em cima desse tema, apostando que eu tinha talento para o desenho. Na faculdade de arquitetura, também ganhava uma grana fazendo alguns desenhos do pessoal do curso e alunos de outras graduações.
Blog - Também na faculdade, você abre seu leque de opções passando a trabalhar em agência e jornais.
Adnael - Sou autodidata e na agência de publicidade em Maceió eu tive contato material de trabalho mais profissional. Até então, só desenhava com caneta Bic, lápis de cor comum e papel sulfite. Além da agência, no curso de arquitetura e nas charges e ilustrações que já criava para um jornal, eu fui aprimorando meu trabalho.

Blog - Charge é uma palavra francesa que significa "dar carga", e é muito utilizada para fazer críticas políticas. É preciso ter bom humor para ser um bom chargista ou cartunista?
Adnael - Veja, entendo que é preciso ter senso de humor para poder fazer a leitura de um fato e torná-lo engraçado, na medida do possível. Há cartunista “mal humorado” que faz sucesso fazendo cartum a partir da própria falta de humor. A charge não necessariamente é feita para simplesmente para ser engraçada, mas também para que as pessoas reflitam sobre a realidade que as cerca.
Blog - Nesse sentido, então, estamos falando de imagem como algo bastante forte e impactante dependendo do que se esteja retratando, por exemplo, do ponto de vista social.
Adnael - Claro que sim. A charge tem grande poder de síntese para expor uma determinada situação, passando uma mensagem rápida, impactante, com pouco texto ou nenhum. Quando você se depara com um desenho fazendo uma crítica social, por exemplo, ele tem a força de te fazer refletir. Pelo menos é nisso que aposto em meu trabalho.
Blog - Vivemos um momento de divisão profunda no Brasil entre quem apoia o presidente Jair Bolsonaro e seus críticos. Você tem inúmeras charges que falam sobre as declarações e ações do polêmico presidente. Suas charges são político-partidárias?
Adnael - De forma nenhuma. Mas preciso dizer que tudo que o atual presidente diz e faz vai de encontro ao que penso como cidadão. Procuro fazer um trabalho educativo, tratando do meio ambiente, da empatia necessária às diferenças, a não violência, direitos humanos, por exemplo, temas que ele ataca publicamente. Além disso, não há como fugir das críticas porque esse presidente é um prato cheio de temas polêmicos que “exigem” charges diárias; para você ter ideia, venho acumulando trabalhos sobre as peripécias desse governo que ainda não publiquei.

Blog - Obviamente que isso desagrada a quem o apoia. Você recebe algum tipo de retaliação dos admiradores bolsonaristas em suas redes sociais?
Adnael - Diariamente. Recentemente, um chargista bolsonarista de outro estado, depois de vários ataques nas redes sociais, me falou que foi jurado de um salão de humor e que fez tudo para me prejudicar no concurso simplesmente porque eu era um crítico do presidente. Eu falei com o diretor do salão e ele confirmou que o cidadão realmente havia sido jurado na ocasião. Vez por outra, sou ofendido por eles. Óbvio que grande parte é de robôs porque leio tudo e vejo comentários idênticos, às vezes com os mesmos erros de português, com exatamente o mesmo texto para criticar trabalhos de outros colegas nas redes sociais.
Blog - Então isso significa que suas charges alcançam o objetivo na crítica ao que faz e diz o presidente Jair Bolsonaro?
Adnael - É por aí. Porque, na verdade, quando eles me ofendem, xingam, destratam o fazem com o objetivo de me desestimular em meu trabalho. Então, quando a charge é bastante criticada por eles é porque incomodou mesmo; então tenho a certeza de que ela cumpriu seu papel (risos).
Blog - Você tem trabalhos que foram selecionados para catálogos e em salões de humor aqui e fora do Brasil.
Adnael - São coisas que me orgulham bastante, matinal nesses salões há charges de muita gente boa na arte desenhar. Em 2021, recebi Menção Honrosa no Salão de Volta Redonda, Rio, com uma charge sobre o F da marca do Facebook, sugerindo uma máquina de lavar - onde se lava roupa suja; em 2019, tive um cartum sobre idealismo vencedor no Salão de Kosovo, onde eu coloquei três homens das cavernas desenhando quadrados nas paredes, e o outro desenhando um círculo; outros rindo dele por pensar diferente – na verdade, o cartum sugere que ali estava sendo inventada a roda. Em 2019, também venci o Salão de Humor de Mogi Guaçu, na categoria charges, que fazia menção à ministra Damares na questão “menina veste rosa, menino veste azul”.
Blog - Muito legal. Ainda acerca de suas charges, você fez uma sobre Neymar que rendeu mais de 8 milhões de visualizações, curtidas, compartilhamentos, só no Facebook.
Adnael - Foi nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, que o Neymar estava com uma faixa na testa com a frase 100% Jesus, mas se envolveu em briga com torcedores! Então, minha charge era o próprio Cristo dizendo para ele que antes de usar aquela faixa colocasse a faixa da humildade, isso em cima do que se dizia que Neymar era arrogante, pouco humilde etc.
Blog - Não poderíamos encerrar sem falar sobre suas influências. Quem você aponta como inspiradores.
Adnael – Na área das charges cartuns e caricaturas , entre outros curto o trabalho, entre tantos outros Dálcio Machado, Quinho e Baptistão, Chico Caruzo. São inspirações para meu trabalho.




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