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Homenageado na Fliara, "seu Paulo" deu bronca no roqueiro Lobão por mijar na pia do bar

Atualizado: 14 de jan. de 2022



Paulo Lourenço, “seu Paulo”do Bar do Paulo, morreu em 14 de outubro deste ano, aos 89 anos. Paulo é o homenageado da 3a edição da Feira Literária de Arapiraca – Fliara, que começou na sexta-feira (26) e se encerra neste domingo (28). Vi e vivi muitas histórias nas madrugadas do Bar do Paulo. Uma delas passo a contar a seguir.


Não lembro exatamente o ano. Era década de 90. Noite de sábado fria. O prédio do cinema Trianon, na Praça Marques, já tinha deixado de servir à Sétima Arte para virar um cantinho de shows. Por lá, passaram Xangai, Belchior, Oswaldo Montenegro, Lobão, entre outros artistas da música. O famoso Bar do Paulo era um point onde se ouvia boa música, se falava sobre livros, política, ideologias, sobre a vida. Era comum, recordo, que após os shows no antigo cinema os cantores se juntarem à galera para acabar a noite no Bar do Paulo.


Lobão foi um deles. Eu fui ao show e, obviamente, meus fins de semanas, sextas e sábados, eram quase todos no Bar do Paulo. Sim, eu me formei um homem com afinidades socialistas lá dentro, sobretudo conversando com “seu Paulo” acerca da vida e do que ele tinha vivido mundo afora. Antes de abrir o bar, por volta de 1973, Paulo Lourenço havia morado em São Paulo, trabalhado como garçom e, na noite paulistana, se familiarizado com a boa música que tocava por aqui e fora do Brasil.


De retorno a Alagoas, trouxe na bagagem muito do que compartilhou com as gerações que ele formou, com seu bar, que ficou por mais de 30 anos, na esquina da Rua Dom Jonas Batingas, bairro Ouro Preto.


Voltemos ao show do Lobão e sua ida ao bar naquela madrugada fria de Arapiraca. O roqueiro, muito provavelmente, não conhecia o Bar do Paulo, tampouco o proprietário da esquina que, por três décadas, fez a cabeça de diversas gerações em Arapiraca e Alagoas.


Irreverente – sim, àquela época Lobão era um roqueiro dado a rebeldias e loucuras -, o autor de hits como “Blá, blá, blá, Eu Te Amo”, “Vida Louca”, “Chorado no campo”, entre outros tantos, encontrou um bar superlotado, o que era quase sempre comum. Eu estava lá, com amigos, e não vi quando o cantor tentou mijar, mas encontrou o banheiro ocupado. Quando o bar estava cheio, era sempre complicado e concorrido achar o banheiro livre para um xixizinho.


Como opção mais rápida e menos educada, reconheço, corríamos, os marmanjos, para as calçadas e esquinas adjacentes para mijar. Não havia tempo para perder enfrentando filas do banheiro. Queríamos seguir os papos, as paqueras, as bebidas, escutar as músicas que pedíamos e “seu Paulo” tocava. Dentro dos mais de três mil vinis e cds, o que não faltava eram opções noite adentro.


Como a fila devia estar grande e Lobão não conseguiu entrar de imediato no banheiro, aproveitou a opção, obviamente para a loucura dele, utilizar a pia que ficava do lado de fora, ao lado da porta do mictório.

Uma das inúmeras virtudes e características de “seu Paulo” era educação; durante o longo que frequentei o bar, nunca o presenciei levantar a voz seja lá qual fosse a situação.

Assim foi com Lobão: “seu Paulo” chamou o astro do rock num canto e disse-lhe que o fato de ele ser famoso não lhe dava o direito de desrespeitar as casas alheias (sim, o Bar do Paulo, para nós, era uma espécie de segundo lar) e a cidade que o acolhia naquele instante. Com elegância, a bronca foi dada.

“Seu Paulo” era um gentleman. Há um mês nos deixou. Aos 46 anos, começo a me acostumar com as partidas – físicas ou filosóficas. Paulo Lourenço foi um amigo não só das noites regadas a álcool e boa música. Eu ligava para a casa dele para saber como estava, ele logo se emocionava pela lembrança, e eu respondia afirmando que não só eu, mas Arapiraca deveria reconhecer a autoridade cultural que ele é.


A memória não é boa. Mas o Bar do Paulo fechou definitivamente suas portas entre 2009 e 2010. Para mim, foi como perder um ente querido. Vivi o luto pelo fechamento do local, vivi o luto até me acostumar sem o Bar do Paulo para acolher dores, festejar amores e entender solidões, e hoje vivo o terceiro luto, esse mais definitivo com sua partida.


Obrigado por tudo, “seu Paulo”!


Crédito da imagem: Nide Lins

 
 
 

2 comentários


Membro desconhecido
01 de dez. de 2021

Que texto bem feito! Delicioso de ler. Senti falta da referência à autoria, assim como tem o crédito da foto. Mas, parabéns ao autor ou autora!

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lucianomilanojorna
lucianomilanojorna
01 de dez. de 2021
Respondendo a

Obrigado, @jornalistarafa35. Legal que você tenha gostado.

Até!

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